A ASCENSÃO DA PÓS-VERDADE

ARTIGO DA PROFESSORA ELIANE EL BADOUY CECCHETTINI

Quem nunca foi pego por um hoax (palavra em inglês que significa notícia falsa, fraude ou boato) que atire a primeira pedra. Na realidade, esta é uma situação muito mais comum do que se imagina. Ganhou proporção concomitantemente ao imenso debate gerado no mundo todo sobre a propagação de notícias falsas por meio da internet, durante as eleições norte-ameriEliane unnamed (2)canas. Depois da eleição de Trump, seus opositores foram rápidos em apontar as redes sociais e as empresas de internet como responsáveis por contribuir para sua eleição.

Anualmente, a Oxford Dictionaries, departamento da University of Oxford responsável pela elaboração de dicionários, tem a tradição de eleger a palavra do ano para a língua inglesa. A eleita de 2016 foe “pós-verdade” (“post-truth”), definida como “circunstâncias nas quais fatos objetivos são menos influentes para determinar a opinião pública do que apelos a emoções e crenças pessoais”. Exemplo de uso: “Nesta era da pós-verdade, é fácil usar dados para demonstrar qualquer conclusão que você quiser”.

Plataformas como Facebook, Twitter e Whatsapp favorecem a replicação de boatos e mentiras. Grande parte desses hoax são compartilhados por integrantes conhec
idos, nos quais os usuários dessas redes têm confiança, o que aumenta a aparência de legitimidade das histórias.

Essas falsidades circularam bem mais do que seus desmentidos, sendo muito provável que, nesse momento por exemplo, haja muita gente acreditando e replicando falsas afirmações.A disseminação de notícias falsas é usada para trolagens relativamente inocentes, fins politicos ou até por grupos terroristas como o Estado Islâmico.

Os algoritmos utilizados pelo Facebook fazem com que usuários tendam a receber informações que corroborem seu ponto de vista, formando bolhas que isolam as narrativas às quais aderem de questionamentos pendendo para A ou B.

Além disso, é fato que proliferação de boatos no Facebook e a forma como o feed de notícias funciona sejam decisivos para que informações falsas ganhem alcance e legitimidade. Este e outros motivos têm sido apontados para explicar ascensão da pós-verdade.

Um levantamento feito pela Associação dos Especialistas em Políticas Públicas de São Paulo (AEPPSP), com base em critérios de um grupo de estudo da Universidade de São Paulo (USP), identificou os maiores sites de notícias do Brasil que disseminam informações falsas, não-checadas ou boatos pela internet, as chamadas notícias de “pós-verdades”. Este estudo utilizou os critérios do “Monitor do Debate Político no Meio Digital”, criado por pesquisadores da USP. Não são sites de empresas da grande mídia comercial ou alternativa com corpo editorial transparente, jornalistas que se responsabilizam pela integridade das reportagens que assinam, ou articulistas que assinam artigos de opinião. Tratam-se de sites cujas “notícias” não têm autoria, são anônimos e estão bombando nas bolhas sociais criadas pelos algoritmos das mídias sociais de maior popularidade e penetração.

Ainda de acordo com esse estudo, todos os principais sites que se encaixam no conceito de “pós-verdade” no Brasil possuem algumas características em comum:

Foram registrados com domínio .com ou .org (sem o .br no final), o que dificulta a identificação de seus responsáveis com a mesma transparência que os domínios registados no Brasil.

Não possuem qualquer página identificando seus administradores, corpo editorial ou jornalistas. Quando existe, a página ‘Quem Somos’ não diz nada que permita identificar as pessoas responsáveis pelo site e seu conteúdo.

As “notícias” não são assinadas e são cheias de opiniões — cujos autores também não são identificados — e discursos de ódio (haters).

Intensiva publicação de novas “notícias” a cada poucos minutos ou horas.

Possuem nomes parecidos com os de outros sites jornalísticos ou blogs autorais já bastante difundidos.

Seus layouts deliberadamente poluídos e confusos os fazem parecer grandes sites de notícias, o que lhes confere credibilidade para usuários mais leigos.

São repletos de propagandas (ads do Google), o que significa que a cada nova visualização o dono do site recebe alguns centavos (estamos falando de páginas cujos conteúdos são compartilhados dezenas ou centenas de milhares de vezes por dia no Facebook).

A questão é o que deve ser feito e como deve ser feito. Há muitas propostas sobre como inibir essa questão, porém o tema é espinhoso. Tentar esclarecer os fatos divulgados na internet não é o mesmo que inibir a livre manifestação de opiniões, mas uma iniciativa importante para distinguir o que é informação verdadeira das histórias falsas divulgadas de maneira irresponsável.

Eliane El Badouy Cecchettini, Badu como é conhecida no mercado, é professora de Neuromarketing da Inova Business School, unidades de Campinas e São Paulo. É consultora e pesquisadora do comportamento, comunicação, mecanismos de atenção e do consumo de mídia do jovem contemporâneo.

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