A AUDITORIA “UBER”

ARTIGO DE PAULO GOMES

Imagine solicitar, em apenas alguns cliques de um aplicativo de celular, um pacote de avaliação de projetos, de gestão contábil e financeira e, ainda, uma análise sobre os níveis de governança corporativa de sua empresa – se estão de acordo com práticas transparentes, éticas e eficientes. Esse quadro, um tanto quanto surreal, de certa forma, já está prestes a pulsar em nossos telefones, em um mundo no qual as prestações de serviços sofrem constantes metamorfoses, por mais que pareça estranho, não será diferente com a auditoria interna.

Essa profissão, cada vez mais valorizada no mundo e extremamente demandada, já começa a surfar na onda dos contratos de trabalhos esporádicos, com dinâmica instantânea e ajustada a necessidades pontuais ou não tão complexas. Falamos aqui da contratação de um auditor interno por um período de alguns dias, ou, dependendo do caso, para uma tarde de avaliações.

Já existem empresas no Brasil, de diversos portes, que oferecem o trabalho de auditoria por Jobs. O foco delas não são as grandes, que possuem regras rígidas de governança e que necessitam de um time de auditores preparados para atenderem às expectativas dos stakeholders e da alta administração. São empresas médias e menores, que não conseguem absorver o custo fixo de manter profissionais internamente e acabam contratando consultorias que realizam auditorias específicas. Esse cenário não é novo já está consolidado há anos.

Eu mesmo, em um passado distante, já precisei contar com um auditor especializado em biologia, perfil que não havia na minha equipe – quando atuava no setor elétrico. Ele ficou conosco alguns dias, fez as avaliações necessárias e nos entregou os relatórios esperados.

Mas até onde temos conhecimento, ainda não há aplicativos disponíveis para essa contratação, embora haja todas as ferramentas necessárias para que players finquem suas bandeiras nesse nicho corporativo. Mas afinal como funcionaria esse ‘Uber de Auditores’?

Imagine uma empresa de pequeno porte que necessite de um profissional capaz de avaliar as condições contábeis e de governança para que ela possa dar um passo importante, como uma aquisição ou um redirecionamento de seu escopo de atuação.

Lá estaria o aplicativo, com um portfólio burilado, capaz de adequar a expertise de seus auditores, com a real necessidade do requerente. Basta ele entrar nesse aplicativo, definir seu perfil de atuação e qual a área de especialização do auditor que deseja contratar. O aplicativo então enviaria o profissional adequado para realizar a avaliação solicitada. Se bem detalhado o pedido, já seria sugerido uma ideia de carga horária de custo para aquele projeto específico.

É provável que todos os auditores acabem atuando como profissionais liberais, mas seria razoável acreditar que todos tivessem experiências comprovadas de acordo com as categorias que poderiam ser divididas entre auditoria de TI, contábil, de processos, entre outras. Também haveria uma segmentação de setores, por exemplo: siderúrgico, financeiro, varejo, educação e até de novos nichos, prestes a ganharem força, como o esportivo.

Seria fundamental que, além da experiência profissional, esses auditores apresentassem comprovações de certificações, como as concedidas pelo The IIA – The Institute of Internal Auditors, o maior organismo da carreira no mundo, com mais de 200 mil auditores associados. É uma garantia para o contratante contar com auditores que atuem em linha com as melhores práticas globais de governança e ética corporativas.

Por outro lado, os auditores do aplicativo teriam a liberdade de aceitar ou não o job, de acordo com o projeto proposto. Há fatores como disponibilidade de viagens, complexidade dos desafios e, às vezes, até aspectos de segurança, de uma atuação em áreas consideradas de risco. Evidentemente, não é um ‘match’ tão simples como uma corrida de carro, mas se bem estruturado, tem tudo para ser mais um novo modelo de sucesso de contratação no mercado corporativo.

Com as empresas compreendendo cada vez mais a importância de ter seus processos de gestão em linha com as boas práticas de governança, essa ‘Uberização’ da auditoria só tende a crescer. Não é que ela tomará o lugar dos profissionais que atuam internamente em grandes corporações, a previsão é que ela venha a somar. É um pequeno exército de auditores atuando em empresas que precisam, mas que não têm condições de manter uma auditoria interna constante.

Evidente que, como em toda mudança, algumas marolas devem sacudir a carreira, mas a tendência é que esse movimento pelas contratações de auditores para projetos pontuais se integre paralelamente à atuação daqueles que atuam continuamente em organizações. É como se estivéssemos no prefácio de um novo modelo de auditoria que será acionado pela tecnologia e pragmatismo. Os algoritmos e o uso da inteligência artificial contribuirão para indicar o melhor profissional para determinado projeto, além de auxiliá-lo de forma rápida e eficaz na mineração de dados para que ele possa construir um diagnóstico que atenda a demanda contratada pela empresa.

Os auditores internos fixos, integrados e que possuem uma visão holística da empresa em que atuam, continuarão a existir, principalmente nas grandes organizações. O grau de complexidade delas exige um time alinhado, com profissionais qualificados, com certificações internacionais e que atuem em linha com as melhores práticas de gestão de riscos exigidas pelo setor. Já os auditores ‘Uber’ serão um reforço, uma nova legião de agentes da ética, que contribuirão – mesmo que por pouco tempo e de forma pontual – na disseminação de processos transparentes, lícitos e eficazes. Ganha quem os contratar e ganha a sociedade, que clama por um ambiente corporativo mais justo e verdadeiro. Que venham os apps!

 

Paulo Gomes é diretor-geral do Instituto dos Auditores Internos do Brasil – IIA Brasil – [email protected]

 

 

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