ARTIGO – UNIÃO HOMOAFETIVA – ANO 1

Maria Silvia Jorge Leite

O julgamento do Supremo Tribunal Federal (STF) que reconheceu a incidência do artigo 1723 do Código Civil sobre as uniões de pessoas do mesmo sexo, equiparando-as a união estável heterossexual, completou um ano no dia 5 de maio de 2012. Até então, boa parte da jurisprudência reconhecia a existência de sociedade de fato entre pessoas do mesmo sexo, levando em consideração apenas o vínculo negocial, negando a relação afetiva, até que finalmente, em decisão histórica, o STF ao julgar a Ação Direta de Inconstitucionalidade (Adin) 4277 e a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 132, ajuizadas pela Procuradoria Geral da República e pelo Governador do Rio de Janeiro, respectivamente, reconheceu por unanimidade a união estável para casais do mesmo sexo, assegurando assim, aos casais homoafetivos os mesmos direitos das uniões estáveis heterossexuais, tais como pensão alimentícia, previdência, herança e adoção conjunta.
A decisão foi fundamentada na argumentação do ministro Ayres Brito, que citou o artigo 3º, inciso IV da Constituição Federal, que veda qualquer discriminação em virtude de sexo,, raça, cor, idade ou quaisquer outras formas, e portanto, ninguém pode ser discriminado em função de sua preferência sexual.

As decisões de mérito, proferidas pelo STF nas ações diretas de inconstitucionalidade e nas ações declaratórias de constitucionalidade, de acordo com a Constituição Federal, produzem eficácia vinculante, relativamente aos demais órgãos do Poder Judiciário e administração pública direta e indireta, nas esferas federal, estadual e municipal.

Com essa decisão o STF tornou praticamente automático os direitos que até então eram obtidos com dificuldade na Justiça, pondo fim à discriminalização legal dos homossexuais.
Porém, como ainda não existe legislação específica regulamentando a união homoafetiva, muitos juízes têm entendido que a mesma apenas assegurou à estes casais os direitos da união estável e não o casamento.

Desta forma, embora clara e definitiva a decisão do STF, alguns cartórios se recusam a celebrar o casamento civil homoafetivo, adotando a interpretação proibitiva, flagrantemente inconstitucional. Neste caso o casal é obrigado a ingressar com ação declaratória de possibilidade jurídica de casamento civil, com base na decisão do STF e não obtendo sucesso em primeira instância, recorrer ao Tribunal a fim de ver garantido seu direito já reconhecido pelo STF. Felizmente, outros juízes entendem que a Constituição Federal determina a facilitação da conversão da união estável em casamento e como a decisão do STF determinou que não haja qualquer distinção entre as uniões hetero e homoafeitvas, asseguram o direito ao casamento, que pode ser realizado diretamente no cartório de registro civil.

Em recente julgamento, cujo acórdão foi publicado em 24 de abril de 2012, a 8ª Câmara do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, decidiu por unanimidade converter em casamento a união estável homoafetiva de um casal que convivia há oito anos e que teve seu pedido indeferido pelo Juíz da Vara de Registros Públicos da capital.

O desembargador Luiz Felipe Francisco, relator do processo, afirmou que o ordenamento jurídico não veda expressamente o casamento entre pessoas do mesmo sexo e “portanto, ao se enxergar uma vedação implícita ao casamento entre pessoas do mesmo sexo, estar-se-ia afrontando princípios consagrados na Constituição da República, quais sejam, os da igualdade, da dignidade da pessoa humana e o pluralismo.”

Para o desembargador, a Constituição Federal determina que seja facilitada a conversão da união estável em casamento e o STF determinou que não fosse feita distinção entre uniões hétero e homoafetivas, não havendo como se negar a conversão pretendida, tendo em vista a prova de convivência contínua, estável e duradoura do casal. E concluiu: “Ressalte-se, por oportuno, que o Direito não é estático, devendo caminhar com a evolução dos tempos, adaptando-se a uma nova realidade que permita uma maior abrangência de conceitos, de forma a permitir às gerações que nos sucederão conquistas dos mais puros e lídimos ideais.”
Na cidade de Ribeirão Preto (SP), através de sentença em 16 de março de 2012, o Juiz de Direito da 7ª Vara Cível, Dr. Thomaz Carvalhares Ferreira, converteu em casamento a união estável de casal homoafetivo, com base na decisão do STF sob entendimento de que “aos órgãos judicantes hierarquicamente inferiores descabe desviar da interpretação máxima consolidada pelo Egrégio STF, com força vinculante.” Afirma ainda que “enquanto o Poder Legislativo não cumpre a obrigação de regulamentar o reconhecimento da união estável homoafetiva para casais do mesmo sexo, cabe ao Judiciário preencher a lacuna com a aplicação da força vinculante da decisão do STF na Adin 4.277 e o emprego dos princípios constitucionais de proteção aos interessados, facilitando a conversão em casamento“.
Embora a decisão do STF já tenha um ano, a demanda perante cartórios da região tem sido pequena, para conversão de união estável em casamento, e um pouco maior para constituição de união estável, principalmente entre casais do sexo feminino.
Entretanto, é muito importante que casais que convivem em união estável regularizem sua situação através de contrato ou escritura de união estável para que seja fixada a data da constituição da união, o regime de bens adotado pelo casal, direito a conversão em casamento e também para garantia dos demais direitos dela oriundos.
Maria Silvia Jorge Leite é advogada e coordenadora do Setor de Família e Sucessões do escritório Lima Junior Advogados e Consultores.
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