
O Acidente Vascular Cerebral (AVC) segue sendo uma das principais ameaças à saúde pública mundial e o Brasil está no centro de um movimento inédito para mudar esse cenário. Em 2024, a doença causou 84.878 mortes no país, segundo o Portal da Transparência dos Cartórios de Registro Civil. Apenas nos primeiros meses de 2025, até 5 de abril, 18.724 brasileiros perderam a vida por conta do AVC, o que representa uma morte a cada sete minutos.
Diante de estatísticas alarmantes, líderes globais, representantes de governos e especialistas em saúde uniram forças para lançar a Global Stroke Action Coalition, a primeira coalizão internacional voltada exclusivamente ao combate ao AVC. A iniciativa será apresentada na 78ª Assembleia Mundial da Saúde, que ocorrerá entre 19 e 27 de maio, em Genebra, e na Assembleia Geral da ONU, em setembro, em Nova York. “O mundo está, finalmente, priorizando o AVC. Essa união de esforços é histórica e representa um novo horizonte para milhões de pessoas”, afirma a neurologista brasileira Sheila Martins, ex-presidente da Organização Mundial do AVC e uma das coordenadoras da nova coalizão global.
As projeções são contundentes: sem ações concretas, a carga global do AVC pode crescer 50% nos próximos 25 anos, provocando até 10 milhões de mortes por ano e gerando um custo estimado em US$ 1,6 trilhão anuais. São cerca de 12 milhões de novos casos por ano, 7 milhões de mortes e 94 milhões de pessoas vivendo com sequelas. Além disso, 53% dos AVCs ocorrem em pessoas com menos de 70 anos, e 89% da carga global está concentrada em países de baixa e média renda.
Brasil: avanços e desafios
Apesar do cenário preocupante, o Brasil é visto como referência internacional no enfrentamento ao AVC. Desde 2012, o país conta com uma rede de 119 centros especializados do SUS para atendimento à doença, criados com financiamento do Ministério da Saúde. Também foi nesse ano que o Sistema Único de Saúde passou a adotar o uso do trombolítico, medicamento que dissolve coágulos, com um protocolo que exige início do tratamento em até 60 minutos após a chegada ao hospital.
Mais recentemente, em 2023, o SUS incorporou a trombectomia mecânica, técnica que remove o coágulo por meio de um cateter, aumentando em até três vezes as chances de recuperação sem sequelas. Atualmente, 13 hospitais públicos oferecem o procedimento.
No entanto, persistem desafios estruturais, especialmente no que diz respeito à distribuição regional. Cerca de 77% dos centros de AVC estão concentrados nas regiões Sul e Sudeste, enquanto alguns estados do Norte ainda não contam com nenhuma unidade especializada. Em instituições sem esses centros, a taxa de mortalidade chega a 49%, contra 17% onde há atendimento especializado. “Isso é inaceitável em um país que tem um programa nacional e que garante esse direito. Precisamos garantir estrutura, equipes treinadas e atendimento no tempo certo”, alerta Sheila Martins.
Cuidado contínuo
A neurologista também destaca que o enfrentamento ao AVC deve ir além do atendimento hospitalar. A prevenção e a reabilitação são igualmente fundamentais. “Controlar a pressão arterial, promover hábitos saudáveis e garantir acesso à reabilitação são partes de uma mesma estratégia. O cuidado precisa ser contínuo, integrado e acessível em todas as fases”, explica.
Sheila ressalta ainda o papel do ministro da Saúde, Alexandre Padilha, na estruturação da política nacional de combate ao AVC. “Ele foi responsável pela criação dos Centros de AVC e pela implementação do tratamento no SUS. Agora, com sua volta ao ministério, temos a chance de ampliar essa agenda.”
Perspectivas
Com a mobilização internacional em andamento, a expectativa é que o Brasil fortaleça sua posição como liderança global no combate ao AVC, ao mesmo tempo em que enfrenta seus próprios gargalos internos. “Ao reconhecer seus desafios e compartilhar soluções, o país se coloca como parte ativa dessa transformação global”, conclui Sheila Martins.
O momento é decisivo: frear o avanço do AVC exige ações coordenadas, investimento público, e compromisso político. E o Brasil, com seus avanços e lições, pode ser um dos protagonistas dessa virada histórica.
Foto: Neurologista brasileira Sheila Martins, ex-presidente da Organização Mundial do AVC e uma das coordenadoras da nova coalizão global.
Crédito: Leonardo Lenskij.