Com a contribuição de arquitetos e engenheiros voluntários, o Fundo Haja, associação que atua na compra de imóveis vazios, especialmente de interesse histórico e cultural em áreas centrais nas grandes cidades, para restaurá-los e adaptá-los para locação social, promovendo moradia digna a preços acessíveis para a população de baixa renda e em situação de vulnerabilidade, faz a primeira entrega de uma moradia social, em Campinas (SP), para mães-solo, beneficiando quatro famílias com oito crianças, neste sábado, dia 31 de agosto. A moradia social fica na Rua Saldanha Marinho, 909, Centro Campinas
O projeto está regularizado e foi financiado integralmente com doações e trabalhos voluntários.A primeira casa já conta com energia solar e foi adaptada para quatro studios, com banheiro exclusivo, minicopa e um mezanino tipo sótão onde caberá um pequeno quarto elevado para cada família, além de uma cozinha e lavanderia comunitárias e uma sala comercial que poderá ser alugada à parte.
A nova moradia que está recebendo as quatro mães na faixa etária entre 23 e 36 anos, que vivem com 1, 2 ou 3 filhos, entre bebês (entre 9 e 14 meses) e crianças (entre 3 e 8 anos de idade), foi batizada pela Associação como Casa 1, Vila Sal – Haja Rehabitar e fica na Rua Saldanha Marinho, 909, no Centro.
Cada família possui renda mensal de até um 1,5 salário mínimo, proveniente sobretudo de programas sociais como Bolsa Família e Benefício Primeira Infância, do governo federal, e do Programa Mão Amiga, fruto de uma parceria da prefeitura de Campinas. Algumas complementam a renda com serviços pontuais (“bicos”) ou contam com pequeno apoio complementar dos pais de seus filhos. A maioria tem o Ensino Fundamental incompleto (três das mães) ou o Ensino Médio completo. Todas já receberam formação profissional em projetos mantidos por instituições de acolhimento e/ou parcerias, como o Mão Amiga e o Qualifica. Todas já viveram ou vivem em moradia compartilhada e foram atendidas por ao menos um serviço de acolhimento existente na cidade.
Essas instituições foram as parceiras do Haja na busca ativa pelas famílias a serem beneficiadas por esse aluguel solidário como a Associação Casa de Apoio Santa Clara, parceira da Cáritas Arquidiocesana; a Casa de Gestantes, Puérperas e Bebês, do Instituto Padre Haroldo; Casa Laudelina Campos Melo – Casa de Referência para Mulher.
A condição de mãe-solo responsável pela guarda e pelos cuidados de crianças pequenas define o perfil das seis candidatas inscritas, todas com trajetórias vividas em meio às mais diversas formas de vulnerabilidade social. Esse perfil orientou todo o zelo tomado durante todo o processo seletivo, nas inscrições, nas entrevistas, nas análises feitas pela equipe voluntária do Haja e na divulgação dos resultados. Permanece o cuidado com as famílias, buscando preservar suas trajetórias e proteger os bebês, as crianças e as mulheres de situações que possam aprofundar vulnerabilidades.
A possibilidade de vivenciarem uma situação de relativo alívio nos encargos com moradia, por meio do aluguel solidário all inclusive(incluindo todo o custo moradia: energia, água, IPTU, Wi-Fi) proporcionado pelo Haja, na Vila Sal, abre uma nova oportunidade para caminharem com suas famílias na construção de sua autonomia e dignidade.
Vanessa Figueiredo, urbanista, sócia-fundadora e do conselho administrativo da Associação Haja fala sobre o projeto. “Não há política pública para resolver o problema dos imóveis abandonados e do acesso à moradia no Centro de Campinas, nem nas demais cidades brasileiras!. Além disso, o mercado não atua, pois os imóveis em áreas centrais são caros, precisam de reformas e para o aluguel caber no bolso das pessoas de baixa renda é necessário abrir mão do lucro!”, diz. “Nós, da associação Haja, realizamos um esforço imenso para conseguir R$ 530 mil reais, por meio de doações, eventos culturais beneficentes, venda de produtos e financiamento social, para comprar, restaurar e receber as 4 mães-solo de baixa renda e 8 crianças nessa casinha”, completa.
Vanessa Figueiredo explica como funciona o financiamento social. “Pessoas que possuem algum dinheiro aplicado podem se tornar financiadores sociais. Elas emprestam dinheiro ao Fundo Haja para que possamos realizar a compra e reformas. Em até 10 anos, elas receberão esse dinheiro de volta, apenas corrigido pela inflação. Ou seja, não há pagamento de juros! Elas doam os juros em troca da realização de um investimento social, para melhorar o Centro da cidade delas, para recuperar o patrimônio cultural e para ajudar famílias vulneráveis a terem moradia digna no Centro! Isso é um propósito que mobiliza a Associação Haja Rehabitar. Dinheiro precisa ser usado para melhorar a qualidade de vida na cidade em que vivemos e não para acumular riqueza para alguns, às custas do aumento das desigualdades e da exploração imposta pelo sistema de juros”, defende. Este primeiro imóvel foi adquirido por meio de financiamento social e reformado com doações.
O novo Censo IBGE 2022 reforça os dados, que já é de conhecimento de todos, que ao andar nas ruas das cidades, sobretudo em áreas centrais, os imóveis vazios aumentaram 87% e agora há quase 11,4 milhões de edificações sem uso no Brasil, dos quais 54 mil em Campinas. Uma pesquisa de campo foi viabilizada em 2021 por uma parceria entre a FAU PUC-Campinas e o ICOMOS São Paulo – Conselho Internacional de Monumentos e Sítios, sob coordenação da Profª. Drª. Vanessa Bello Figueiredo, e detectou uma realidade alarmante, na qual cerca de 500 imóveis estão vazios ou ociosos no Centro.
Destes, quase 60 são tombados ou de interesse cultural que somados aos 317 estacionamentos totalizam 814 imóveis que não cumprem sua função social, em uma área de pouco menos de 190 hectares. Esse levantamento contou apenas imóveis inteiros, como casas e prédios, e parte de sobrados ociosos. Não foi possível a contagem de apartamentos vazios, à venda ou à locação. O déficit de moradias é de 70 mil em Campinas.