UM CASO QUE EXIGIU PACIÊNCIA, CRIATIVIDADE E MUITA PERSISTÊNCIA

UM CASO QUE EXIGIU PACIÊNCIA, CRIATIVIDADE E MUITA PERSISTÊNCIA

ARTIGO DO ADVOGADO RENAN FARAH

Ser advogado criminalista é um pouco como ser jogador de videogame: você vai subindo de fase, enfrentando desafios, perdendo algumas vidas (no caso, argumentos) e esperando que o próximo chefe — ou juiz — seja mais compreensivo que o anterior. Essa história que vou contar é sobre um desses jogos, cheio de plot twists e, claro, uma boa dose de criatividade.

Tudo começou com a vizinha. Mais precisamente, com a empregada da vizinha, que apareceu no meu escritório em prantos. O motivo? O filho dela, um garoto que mal tinha soprado as velinhas dos 18 anos, havia sido preso na madrugada anterior. A acusação? Tráfico de drogas. Nada menos que 2 quilos no porta-malas do carro do primo. Não era farinha para bolo.

O caso parecia um daqueles que todo mundo olha e pensa: “Ih, não tem como sair dessa”. Prisão em flagrante, convertida em preventiva. Carteira assinada, bons antecedentes, residência fixa? Não fizeram nem cócegas no juiz, que manteve o garoto preso. Nem o Tribunal de Justiça concedeu habeas corpus. O cenário era mais desolador que final de novela em que o mocinho morre.

Mas eis que veio a pandemia. Em tempos de COVID, um argumento inusitado: mantê-lo preso era praticamente uma sentença de morte, com o contágio explodindo nos CDPs. E assim, com o empurrãozinho do vírus, conseguimos a liberdade provisória. Pequena vitória, mas era um respiro no meio do caos.

Seguindo o roteiro do processo penal, vieram a defesa prévia, a audiência de instrução e os memoriais. Até que chegou a temida sentença: 8 anos e 1.200 dias-multa. O famoso “sem chance”. Mesmo sendo um caso de tráfico privilegiado, sem qualquer indício de associação para o tráfico, a pena foi pesada como os 2 quilos no porta-malas.

Subimos a apelação ao Tribunal de Justiça. De três desembargadores, apenas um ficou do nosso lado. Um raio de esperança! Isso abriu a possibilidade de embargos infringentes, um recurso exclusivo da defesa. Agora, cinco desembargadores julgariam o caso. Dois apoiaram nossa tese; três disseram “Não, obrigado”. Outro revés.

Persistência é a chave do jogo. Levamos o caso ao STJ, mas o Tribunal de Justiça de São Paulo não queria deixar o recurso subir. Claro, agravamos a decisão, e finalmente o processo chegou a Brasília. Lá, no STJ, não houve surpresas: mantiveram a condenação. Jogamos então a última carta: o STF. Mas, mais uma vez, as portas se fecharam. Tudo parecia perdido.

Quando o processo voltou para a primeira instância, o juiz estava pronto para decretar o trânsito em julgado. Era a reta final. Foi então que, num último lampejo de criatividade e esperança, impetramos um novo habeas corpus no STJ.

E, surpresa! Dessa vez, os ministros realmente leram o processo. Não apenas passaram os olhos — eles entenderam os fatos. Resultado: reconheceram o tráfico privilegiado, reduziram a pena para 3 anos e 4 meses, 333 dias-multa, e ainda converteram a pena de prisão em serviços comunitários. Era como vencer o chefão final com um golpe crítico no último segundo.

Esse caso ensinou lições valiosas para todos: o réu, sua família e para mim, advogado criminalista. Na justiça, a regra é clara: nem sempre as portas se abrem na primeira tentativa, mas cabe a nós seguir batendo. Quando se tem razão, mais cedo ou mais tarde, a porta certa se abre.

E assim, entre pequenos atos e grandes resultados, seguimos jogando esse jogo imprevisível da advocacia criminal.

Renan Farah é advogado criminalista

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