ARTIGO DA ADVOGADA LAURA FALSARELLA

A pandemia de covid-19 acelerou de forma irreversível a adoção da telemedicina, elevando-a de uma prática pouco difundida a um componente essencial do sistema de saúde atual.
Com mais de 7,5 milhões de atendimentos realizados no Brasil entre 2020 e 2021 e resolutividade superior a 90%, o modelo remoto apresentado tem eficácia, especialmente em um país de dimensões continentais, ao democratizar o acesso a cuidados médicos, reduzir deslocamentos, integrar sistemas de saúde e agilizar atendimentos de baixa complexidade.
Contudo, sua afirmação exige análise jurídica, ética e operacional, garantindo que a inovação não comprometa a segurança nem os direitos dos pacientes.
Do ponto de vista legal, a prática foi autorizada emergencialmente pela Lei nº 13.989/2020, mas ganhou bases permanentes com a Resolução do Conselho Federal de Medicina (CFM) nº 2.314/2022 e a Lei nº 14.510/2022, que fixaram parâmetros como autonomia médica, consentimento informado e confidencialidade.
A resolução eletrônica, por exemplo, deve conter assinatura digital, em conformidade com a Lei nº 14.063/2020, e ser emitida por meio de plataforma segura, que permita verificar alterações e integridade do documento. A ausência desses requisitos exige a validade do médico e expõe o paciente a riscos, especialmente no que diz respeito a medicamentos controlados ou de uso contínuo.
A segurança do paciente envolve dois pilares. A proteção de seus dados e a conduta clínica responsável. A Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD) exige deveres rigorosos aos profissionais de saúde, exigindo consentimento claro, acesso restrito às informações e adoção de medidas técnicas e administrativas para prevenir vazamentos ou usos indevidos. Mais que obrigação legal, trata-se da garantia à privacidade e dignidade da pessoa humana.
Mas é na dimensão ética que se encontram os maiores desafios. Embora o CFM reconheça o atendimento remoto, também impõe limites. A autonomia médica não deve ser excluída, caso a caso, se a consulta virtual é adequada à condição clínica do paciente. A tecnologia não pode desvirtuar a relação médico-paciente, nem comprometer o cuidado responsável.
Além disso, o paciente – muitas vezes em situação de vulnerabilidade, expondo sua intimidação e fragilidades – deve estar atento a pontos essenciais. É importante confirmar se a consulta é realizada por profissionais habilitados (verificando o CRM nos sites dos Conselhos Regionais), verificar se a plataforma utilizada é segura e criptografada, e garantir que o consentimento para o atendimento foi devidamente registrado e compreendido.
A banalização da telemedicina – com consultas apressadas e impessoais, voltadas ao lucro – afronta os princípios bioéticos da beneficência e da não maleficência. O atendimento humanizado e individualizado deve prevalecer sobre modelos padronizados, sob pena de esvaziar o sentido da medicina como prática de cuidado.
A telemedicina, portanto, deve ser vista como ferramenta complementar. Quando bem utilizado, amplia o acesso à saúde e democratiza o atendimento médico. Porém, sua eficácia jurídica e legitimidade ética depende do compromisso com a segurança do paciente, com a legalidade dos atos clínicos e com o respeito aos direitos fundamentais da relação médico-paciente.
Laura Falsarella é advogada, especialista em Direito do Consumidor e atua no Quagliato Advogados.