INTELIGÊNCIA ARTIFICIAL E A POLÍCIA DO FUTURO

ARTIGO DE MARCELO COMITÉ

O velho clichê cinematográfico de investigadores policiais examinando pilhas e mais pilhas de papel ou assistindo exaustivamente um mesmo vídeo não corresponde mais à realidade. Isso porque os crimes ganharam escala com os ataques cibernéticos e com a formação de quadrilhas no ambiente virtual, além das novas configurações da força de trabalho e das cadeias de valor.

E não me refiro somente aos crimes que tradicionalmente sempre foram cometidos com suporte dos meios digitais, como estelionato, mas sim de crimes que têm o histórico de serem praticados com o contato presencial: corrupção, lavagem de dinheiro, extorsão, fraudes e até mesmo crimes ambientais. A transformação digital também funcionou para os criminosos e ampliaram significativamente a potencialidade dos delitos.

Do lado da polícia, a tecnologia também avançou e mudou completamente a forma de monitorar e investigar. A Inteligência Artificial (IA) redefiniu a forma de fazer ciência, assim como o Big Data, o Analytics o Machine Learning. Hoje, as técnicas de IA podem beneficiar investigações e ajudar a combater o crime organizado.

No caso da ciência forense, por exemplo, a velocidade das descobertas pode determinar o bem-estar de uma comunidade, a sustentabilidade de uma organização, a preservação de um ecossistema ou a vida de pessoas – tudo com soluções não invasivas. Isso é possível desde que haja precedentes legais e sinalizações de tendências globais. O próprio Observatório de Política de IA da OCDE reconhece o papel da tecnologia para dar conta de investigações complexas e sensíveis à janela de tempo.

Não é possível se aprofundar em detalhes técnicos, mas é interessante ver como as modalidades de IA se aplicam no combate ao crime e quais os pontos de atenção para autoridades policiais, agências de inteligência ou auditores, tornando as investigações mais abrangentes, corretas e auditáveis. E a tendência é que essas práticas sejam cada vez mais comuns nas células de investigações do mundo todo.

Muito utilizado pelo mercado corporativo, o Big Data é a parte que permite capturar dados de diversas fontes, com correlações e insights. Junto a esse ganho de escala e velocidade, a IA também traz a capacidade de analisar imagens, fazer traduções em tempo real e transformar diversos tipos de conteúdo em informação pertinente. Os aspectos de infraestrutura tecnológica, ferramentas e serviços já estão relativamente maduros; porém, quando falamos em investigações, o maior desafio é por onde começar, com menor risco e maior retorno.

No combate ao crime, além das informações expostas (como sinais exteriores de enriquecimento, por exemplo), é preciso olhar o que foi feito para não ser visto, como células de organizações criminosas na dark web. Certamente há casos em que a autoridade policial ou os gestores de governança precisam de instrumentos investigativos e jurídicos mais pesados. Mas os jornalistas, detetives e outros investigadores experientes obtêm a maior parte de seus resultados com as evidências que “estão disponíveis”, para quem souber achar e entender. Daí a importância de selecionar da melhor maneira os datasets, definindo o conjunto de fontes de dados e criando os mecanismos de consulta. A tecnologia ajuda a olhar na direção das ameaças e dos indícios que se escondem e se proliferam por si só.

Outro ponto interessante sobre a utilização de inovações no combate ao crime diz respeito à transparência e ao accountability da IA (a rastreabilidade dos processos com intervenção de IA é um princípio comum das primeiras iniciativas regulatórias). Por exemplo, a perícia de um acidente com carro autônomo ou uma investigação criminal, por exemplo, têm requisitos muito diferentes de demonstração. O formato de exposição dos processos varia, tanto pela natureza da atividade quanto pela decisão dos fóruns.

Em algumas comunidades de pesquisadores, as descobertas só são reconhecidas com a documentação dos dados, dos algoritmos e do próprio código. Em outros casos, como inteligência de mercado, permite-se o uso de algoritmos proprietários, desde que se respeitem os critérios de tratamento dos dados das legislações de privacidade e proteção a dados pessoais.

É claro que, nessas situações, o sigilo do mecanismo de IA é fundamental. O próprio monitoramento tem que ser conduzido de forma discreta, para não abortar a investigação. Contudo, ainda que opere com algoritmos proprietários, a capacidade de demonstrar os processos de captura e tratamento dedados é fundamental para a qualidade das evidências e o melhor desfecho.

As modalidades e aplicações de Inteligência Artificial estão em tudo – automação de cidades, carros autônomos, interações conversacionais e uma infinidade de casos de uso.Evidentemente, cada uma dessas áreas tem seus objetivos, desafios e incertezas. Nas vertentes de segurança pública, vigilância, governança, prevenção ao crime e investigação forense, contudo, o trabalho é urgente.

E já há muito o que fazer com as tecnologias e referências de melhores práticas globais disponíveis, sem entrar em zonas cinzentas dos limites éticos e das regulações que ainda estão por se estabelecer.

É preciso investir. E os resultados certamente são compensadores.

 

Marcelo Comité é VP da Voyager Labs para a América Latina e Caribe.

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