Panorama de Negócios
Grupo de representatividade negra formado no Instituto Anelo,que há 23 anos promove a inclusão pela música na periferia de Campinas (SP), a banda Pretas&Pretos reúne 15 músicos que têm em comum não só a excelência na prática da profissão que abraçaram, mas também histórias de racismo recorrentes.Histórias que os levam, inclusive, a discutir formas de reagir a atos
discriminatórios e motivaram as composições de seu primeiro EP,”Resistência”, produzido para o Dia da Consciência Negra (20/11). O lançamento será no dia 17 de novembro, em todas as plataformas digitais.
Música título do EP, “Resistência” é uma das cinco composições gravadas pelo grupo, sendo quatro delas autorais e outra uma interpretação do clássico “Tributo a Martin Luther King”,de Wilson Simonal e Ronaldo Bôscoli. O músico, intérprete,compositor e produtor Wilson Simoninha, filho de Simonal, faz participação especial no EP na música “Carapuça”. Outro artista parceiro é o cantor, compositor, produtor e instrumentista Walmir
Borges, que faz vocal na canção “SambAcolá”. “Resistência é andar de cabeça erguida mesmo vendo caras e bocas, gente segurando bolsas ao passar por nós, e ainda assimlidar com isso com classe, elegância. Sei que não são todos assim,há brancos que detestam o racismo, mas é preciso escolher lutar contra o racismo”, diz Mayke, nome artístico de Michael Charles Santiago, 42 anos, autor da canção tema do EP.
De acordo com Luccas Soares, 43 anos, fundador do Anelo, também integrante e um dos idealizadores do Pretas&Pretos, a existência do grupo, formado há três anos, não é uma felicidade, mas uma necessidade. “Não ficamos felizes em ter de combater algo que não deveria existir (o racismo)”, destaca Lucas.
Luccas conta que, apesar de ser um grupo “de excelência”, o Pretas&Pretos é mais lembrado por organizadores de grandes eventos nas proximidades do Dia da Consciência Negra, e por isso também resiste à falta de incentivo. “O potencial do Pretas&Pretos é também para grandes festivais, Rock in Rio, Lollapalooza. A ideia é ter material para tocar dentro de casa e nas casas de todos. Minha dica é que as empresas levem essas pautas para discussão em seus espaços, nos convidem”, diz. “Qualquer lugar, empresa, igrejas, é lugar para se falar sobre racismo. Se não se fala, e não há sequer pessoas pretas ali, esse é um espaço onde está o racismo estrutural, ou intencional”, completa.
Luccas é compositor das outras três músicas autorais do EP (“Carapuça”, “Deixa a Senzala” e “SambAcolá”), sempre com envolvimento dos demais integrantes no processo criativo e estímulo para que eles, professores e profissionais de carreira na música, também componham.
Resiliência, sobrevivência e luta
Filho de uma mulher vítima de violência doméstica – que já tinha três filhos aos 18 anos -; ex-morador de uma casa de dois cômodos e banheiro no quintal, junto a 12 pessoas em uma invasão no Jardim Ipiranga; alvo de racismo na própria igreja que frequentou; a vida de Mayke mostra com brutal realidade a força que inspira os versos de “Resistência”. São trechos como “Não vão nos calar, não vamos parar”, “Junte-se a nós em uma só voz, vamos reagir”, “Queremos respirar”, que despertam também os sentimentos e a identificação de cada integrante do grupo Pretas&Pretos.
Também integrante do grupo, Renata Pereira Alves, 29 anos, é formada em música pela Unicamp, professora de canto e faz o vocal na música “Deixa a Senzala”. Conta que já passou por racismo no próprio ambiente da música, ao ser alvo de “brincadeira” sobre o seu cabelo durante um trabalho fora do Anelo. Segundo ela, na canção em que é a vocalista principal, a emociona muito o verso que diz: “Preta, teve abuso, depois de tudo, jogada no mar”, sobre as negras escravizadas. “Sou muito grata por estar nesse projeto”, afirma. “Quanto mais representatividade tivermos, melhor. O EP tem letras importantes em meio a uma sociedade extremamente racista. Falo muito aqui no instituto para termos um dia só para discutir como lidar com situações de racismo, como rebater as pessoas que dizem que isso não existe. Infelizmente é necessário, pois nem sempre a vítima sabe como falar sobre o que sofre”, reforça Renata.
Cantora de coral em igreja, e funcionária do setor administrativo do Anelo, Simone Janita de Souza Rodrigues, 33 anos, faz um dos solos na música Carapuça, ao lado do cantor Wilson Simoninha. “Foi uma das maiores experiências que eu já tive. O frio na barriga que pensei que teria na ocasião acabou não ocorrendo devido a disposição e simplicidade que o Simoninha mostrou no trabalho com a gente”, conta.
No EP, o verso “Tira o pé do meu pescoço, eu pago pra respirar”, da música “Carapuça” foi a que mais mexeu com seus sentimentos. “Antes do grupo eu não me via tanto nesse contexto. Eu tinha cabelo liso, e comecei a soltar. A partir daí, comecei a perceber mais o preconceito, ao entrar em lojas de shopping e ver as pessoas olhando diferente, chegando ao ponto de me negarem atendimento. Infelizmente, tenho sentido isso muito, na verdade, quase todo dia”, diz.
Trajetória
Em sua trajetória, a banda já se apresentou na iniciativa global Sofar Sounds, em São Paulo, que abre as portas para grupos de representatividade; em eventos da Secretaria de Cultura de Campinas; no cinema de um shopping na cidade e em festivais.
Ainda no mês de novembro, o grupo musical tocará no encerramento da Marcha de Zumbi dos Palmares em Campinas, no dia 20/11, às 12h, no Largo do Rosário, e tem apresentação marcada no Shopping Parque das Bandeiras no dia 22 de novembro, às 19h30.
Interessados em contratar o Pretas&Pretos para shows podem fazer contato por meio de sua página no Instagram: @pretasepretos.br.
Foto 1 – Integrantes da banda Pretas&Pretos.
Foto 2 – Luccas Soares, fundador do Anelo, também integrante e um dos idealizadores do Pretas&Pretos.
Foto 3 – Maike Santiago integrante do Pretas&Pretos.
Foto 4 – Integrante do grupo, Renata Pereira Alves.
Foto 5 – Cantora de coral em igreja, funcionária do setor administrativo do Anelo e integrante do Pretas&Pretos, Simone Janita de Souza Rodrigues.
Crédito: Isabelle Andrade.
