UMA BUROCRACIA A MAIS

27 de março de 2016.
ARTIGO DOS ADVOGADOS BRUNO TOCANTINS E FERNANDA LEITE

Ao analisarmos o
World Talent Report, ranking anual publicado pela escola de negócios suíça IMD,
é possível constatar que o Brasil ainda é um lugar bastante incipiente no que
tange à capacidade de desenvolver, atrair e capacitar talentos. No último ranking
publicado pela escola, em 2015, o Brasil ocupou a 57ª posição entre 61 países,
refletindo não somente sua situação econômica, como também a ausência de
investimento real para a qualificação dos profissionais atuantes no mercado de
trabalho e de criação de condições atrativas que viabilizem o intercâmbio de
conhecimento e de mão de obra diferenciada.
Neste sentido, a
pesquisa identificou condições ruins em vários pontos, em especial na educação,
devido à falta de qualificação local e à burocracia dos trâmites trabalhistas,
decorrentes de uma legislação antiga e inadequada às inovações mundiais de
mercado. A burocracia, portanto, torna-se um entrave para atrair mão de obra
estrangeira, que apresentou declínio de 4,2% no último ano no país, indicador
também resultante da desaceleração econômica nacional.
A autorização de
estrangeiros para trabalho no Brasil não é uma tarefa simples, pois demanda a
validação da documentação da empresa e do funcionário, bem como a autorização
por parte do Ministério do Trabalho e Emprego, processo lento e que pode
desestimular este tipo de contratação. O trabalhador estrangeiro qualificado
tem alto valor para a economia global e não menos para a brasileira, que sofre
com a escassez de talentos para suprir a demanda de mercado e de transferência
de conhecimentos.
Em 2013, foi lançado
o e-Social (Sistema de Escrituração Fiscal Digital das Obrigações Fiscais
Previdenciárias e Trabalhistas), projeto do Governo Federal que tem por
objetivo unificar o envio de informações trabalhistas, fiscais e tributárias
pelos empregadores sobre seus empregados. O objetivo, segundo o governo, é
desburocratizar e modernizar a gestão pública, facilitando a comunicação entre
a Caixa Econômica Federal, o Ministério da Previdência Social, o Instituto Nacional
do Seguro Social e a Receita Federal.
Independente da
promessa de tornar o processo mais simples, o foco da implantação do programa
do e-Social é ampliar a fiscalização e o controle da arrecadação de tributos,
mesmo diante de uma realidade em que o empresário brasileiro gasta 2.600 horas
por ano com o recolhimento de tributos e entrega de informações aos órgãos
oficiais, ocupando o 179º lugar no ranking Doing Business 2016, conforme
pesquisa do Banco Mundial que analisou 189 economias. Longe de ser uma menção
honrosa, o Brasil teve baixíssima performance no quesito “burocracia” e caiu
duas posições no último ano  – ocupou a
177ª posição em 2015 e a 179ª posição em 2016.
O sistema do e-Social
ainda é burocrático. A modernidade dos recursos tecnológicos deveriam nos
servir como propulsores de velocidade, mas não é esse o resultado, sobretudo
tomando-se por base a prévia e bastante confusa aplicação exclusiva do sistema
aos contratos de trabalho de empregado doméstico. A papelada do mundo
analógico, embora com menor duplicidade e necessidade de múltiplas vias, será
sistematicamente transferida para o ambiente digital. Ou seja, é bem possível
que o ganho objetivo se perca no meio do caminho. Além da adequação ao novo
programa e aos procedimentos obrigatórios para o envio das informações do
empregado, o canal eletrônico apresenta irregularidades em seu funcionamento e
lacunas quanto às necessidades e multiplicidades de situações geradas pelos
contratos de trabalho.
As relações de
trabalho e de emprego originam um Direito Vivo, responsável por analisar a
realidade e as relações sociais. Consequentemente, são incontáveis as variáveis
que devem ser atendidas e abarcadas pelo programa sob pena de tornar sua
utilização inviável, em especial no que tange trabalhadores estrangeiros.
Os empregados
estrangeiros têm os mesmos direitos trabalhistas que os brasileiros, inclusive
em relação ao Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS). Assim, seus
empregadores também deverão repassar suas informações trabalhistas, previdenciárias
e fiscais pelo e-Social. Entretanto, os registros e cadastros destes
estrangeiros, bem como seus contratos de emprego e relações de trabalho, não
são iguais aos dos empregados de nacionalidade brasileira. E novamente voltamos
a perder: essas diferenças não foram contempladas no e-Social. É evidente a
lacuna referente aos documentos e permissões necessários para viabilizar o
cadastro do estrangeiro no novo sistema.
Sabemos o quão
trabalhoso e demorado é o procedimento de solicitação de documentos. O Cadastro
de Pessoa Física (CPF) e o Numero de Identificação Social (NIS) estão entre
essas necessidades, que devem estar em consonância ao Cadastro Nacional de
Informações Sociais (CNIS). Novas siglas e documentos poderão resultar em menos
trabalhadores e menos troca de conhecimento para o país.
Sem cumprir um amplo
passo a passo, não é possível registrar o trabalhador de outra nacionalidade e,
sem registro, não é permitido o trabalho. É evidente que o excesso de papelada,
autorizações e carimbos em nada contribuem ao aumento da produtividade das
empresas. Vê-se que, além de todas as questões jurídicas e de aplicabilidade de
legislação trabalhista, podemos esperar ainda mais restrições contratuais,
menos mão de obra e declínio da geração de emprego, de conhecimento e de
crescimento econômico.
Bruno Tocantins é
advogado sócio do escritório Tocantins Advogados e membro do Comitê de Assuntos
Jurídicos da Câmara de Comércio Americana do Rio de Janeiro.
Fernanda Leite é
advogada do escritório Gustavo Padilha Advogados
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