A TERCEIRA LÍNGUA – COMO TRATAR O DIALETO DIGITAL

29 de outubro de 2015.
ARTIGO DA PROFESSORA CHIMENA BARROS DA GAMA
Nas últimas décadas, o ensino da
língua portuguesa muito tem se modificado. Se antes o estudante aprendia regras
rígidas sem reflexão, decorando-as como se fossem registros de uma tabela
periódica da língua e eram obrigados a guardar classificações infindáveis sem
aprofundá-las ou compreender por que; hoje, é convidado a pensar no uso de tais
regras e classificações. As escolas ensinam-no a compreender que as regras
aprendidas são parte fundamental da escrita, e que esta é algo mediado por
ferramentas como papel e caneta, e pelo tempo que decorre entre o emissor
(escrevendo) e o receptor (lendo); a fala, por outro lado, é a língua em seu
estado dinâmico e imediato, sem formulações, ágil e natural. Aprende-se, assim,
que há duas línguas: a oral e a escrita.
Em minhas aulas de português, quando
corrijo um aluno que escreve “tô” (abreviação de “estou”), tento, sempre que
possível, explicar-lhe que todos nós usamos a forma abreviada na fala, porque é
rápida e prática, mas que há ocasiões variadas que pedem o uso correto. Não se
trata de afirmar que tudo bem “falar errado”, o que se pretende é mostrar ao
aluno que ele fala de maneira mais espontânea, e que há outra, adequada, que
deve aparecer sempre na escrita e outras ocasiões. Não adianta querer que um
jovem, ligado à sua “tribo”, fale como um adulto já letrado e
profissionalizado, todavia temos sucesso quando esse aluno aprende que seu modo
de falar é passageiro, e há um mais apropriado para outros momentos da vida.
É um trabalho árduo, que tem,
ultimamente, ficado mais difícil, devido a um fenômeno muito específico: o
aparecimento de uma terceira língua dentro da “Flor do Lácio” – a língua
portuguesa digital. Já está ultrapassada a reflexão sobre o idioma como língua
escrita e oral, porque há uma terceira, que fica em uma espécie de limbo entre
ambas: a língua escrita que é ainda mais informal que a oral.
Hoje o jovem se comunica pela
internet tanto ou – arrisco dizer – mais do que falando com pais, familiares e
amigos. Os dedos ágeis na tela cheia de letras escrevem frases inteiras e até
orações em alguns segundos de modo singular: “você” tornou-se “vc” há muito
tempo, e tem mais: “pq” (porque), “tb” (também), “bjs” (beijos), “abs”
(abraços), “eh” (uma corruptela das mais esdrúxulas que existem com o acento
agudo transformado em “h”). Não há como o professor de português fugir desta
realidade: o dialeto digital, abreviado e inviável até mesmo na fala, é
o novo vírus que invade o sistema de nossa língua.
Como tratá-lo? É preciso pensar,
mesmo, em termos de outra realidade linguística que invade a escrita
tradicional. Tanto que, quando o aluno redige um diálogo mais informal, com uma
proposta de incorporação de dialetos, ele usa tais termos! Um exemplo disso é
colocar o personagem falando “vc”, em vez de “cê”. Então, é interessante
questioná-lo: “como esse sujeito fala essa palavra?”, fazendo-o ler o que
escrevera e perceber que “vc” não existe na escrita formal e muito menos na
pronúncia.
É preciso, pois, que repensemos nosso
modo de explicar português a nossos dissentes, conscientizando-os sobre a
terceira língua, e não ignoremos algo que existe e faz parte de seu universo.
Só assim, estando “ligados”, como eles dizem, conseguiremos fazer uma ponte
entre nosso saber e seu aprendizado. O ensino da língua dá mais uma reviravolta
nos tempos atuais. Devemos rever muita coisa, mas sem jamais abandonar a ideia
de que todos os falantes do português têm capacidade para aprender a forma
culta. E que ela é importante sem ser tirana.
Chimena
Barros da Gama é Doutora em Estudos Literários pela UNESP-FCLAr com pesquisa de campo em
Portugal junto à Universidade Nova de Lisboa, foi bolsista FAPESP no Doutorado
e CAPES durante o Mestrado. Fez especialização na mesma área após licenciar-se
em Letras (português-francês). Tem artigos publicados em periódicos da área de
letras e dois capítulos de livro. Foi professora na rede pública de ensino
(ACT), lecionou língua francesa em escola de idiomas e atualmente dá aulas de
Língua Portuguesa e Oficina de Reflexão no Colégio Objetivo de Campinas,
unidade Barão Geraldo.
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