COLUNA DA MÁRCIA AMERIOT

20 de outubro de 2014.
Em terra de cegos, quem tem cultura é rei…
Márcia Ameriot
A uma semana do fim
do período eleitoral, e depois da campanha de ataques proporcionados pelos
marqueteiros de ambos os candidatos, conhecemos poucas propostas concretas de
políticas de governo. Um tema ficou ausente do discurso de ambos: a cultura.
Ocupados em tirar esqueletos dos armários ou escondê-los, nenhum dos
presidenciáveis chegou sequer a mencionar a palavrinha mágica ao longo da
campanha e dos acalorados debates que protagonizaram.  No entanto, não há dúvida quanto à sua
importância como um indutor do desenvolvimento e da coesão social, do seu importante
papel para a questão da diversidade, na integração das comunidades minoritárias e nos processos de igualdade de gênero.  Há ainda um inegável potencial econômico
inexplorado no setor cultural no Brasil.
Mas o que é cultura?
Para o filósofo
Renato Janine Ribeiro, professor de Ética e Filosofia Política da Faculdade de
Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo, “é cultural
toda experiência da qual saio diferente – e mais rico – do que era antes. Seja
o que for, um livro, um filme, uma exposição: estou no mundo da cultura quando
isso não apenas me dá prazer (me diverte, me entretém), mas me abre a cabeça,
ou para falar mais bonito, amplia o meu mundo emocional, aumenta minha
compreensão do mundo em que vivo e, assim, me torna mais livre para escolher
meu destino”.
Essa “definição” contrasta
com a experiência da recente pesquisa Panorama Setorial da Cultura Brasileira,
cuja segunda edição, lançada em setembro, estudou os hábitos de consumo da
população do país. Um dos aspectos abordados no levantamento foi o conceito de
cultura que o brasileiro tem.  A pesquisa
solicitou aos entrevistados que fizessem livres associações entre as práticas e
as ideias de diversão, informação e cultura.
Gisele Jordão, professora
da Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM), responsável pela pesquisa,
explica que foi absorvida a noção de cultura de forma em que se pode pensar no
plural e no singular simultaneamente: a cultura e as culturas:
A cultura é
constituída pelo conjunto dos saberes, fazeres, regras, normas, proibições,
estratégias, crenças, ideias, valores, mitos, que se transmite de geração em
geração, se reproduz em cada indivíduo, controla a existência da sociedade e
mantém a complexidade psicológica e social. Não há sociedade humana, arcaica ou
moderna, desprovida de cultura, mas cada cultura é singular. Assim, sempre
existe a cultura nas culturas, mas a cultura existe apenas por meio das culturas.
A cultura é a identidade de um povo.
No entanto, persiste
no brasileiro a ideia de cultura como algo inacessível, algo para poucos, que é
reforçado na sociedade como um todo; como algo para um grupo seleto de pessoas
escolhidas. Desse modo, samba, hip hop, funk, nada disso seria considerado
cultura. O brasileiro associa cultura a todas as práticas que ele não realiza.
A mentalidade simplificada é a seguinte: Diverte-me? Está próximo de mim? Tenho
acesso e entendo? Então, não pode ser cultura…
É por isso que
atividades como ouvir música, ir ao cinema e ao circo, ler livros, ir a
livrarias ou lojas de CD, por exemplo, não são vistas como “culturais” pelos
entrevistados na pesquisa.  E outras
atividades notadamente culturais como assistir a shows, ir ao cinema e viajar
foram classificadas como diversão, nunca como cultura.
 “Entender o que cultura é na visão do
brasileiro nos denota qual a construção hegemônica à qual estamos socialmente
sujeitos”, afirma Gisele Jordão.
A mesma pesquisa também
revelou que 42% dos brasileiros não praticam atividades culturais. Realizada em
74 municípios do Brasil, com entrevistados entre 16 e 75 anos, a pesquisa responde
a pergunta sobre a quantidade de vezes que praticaram uma atividade cultural no
último ano. As respostas deram origem à divisão dos entrevistados em quatro
perfis diferentes: o não consumidor (42% da população), o consumidor de cinema
(33% da população), o consumidor de festas (15%) e o praticante cultural (10%).
A notícia de que as
práticas culturais não são prioridade pode não estarrecer, visto que acesso à
cultura é adversidade histórica no Brasil. Mas o quadro não deixa de se
configurar em um problema, inclusive para o futuro das manifestações
artísticas, sobretudo quando se fala em circuito alternativo (fora da grande
mídia), dependente de uma formação de público mais intensa.
É dever do poder
público assegurar o acesso da população à cultura, uma vez que a garantia está
na Constituição. No entanto, não existe uma fórmula única a ser aplicada. Pelo contrário:
o fato de a pesquisa ser feita em 74 municípios é sintoma da enorme diversidade
de públicos no Brasil.
A renda também é
componente importante na discussão. Embora pareça óbvio que mais dinheiro
signifique, a princípio, maior possibilidade de acesso a bens culturais, a
conexão é mais indireta do que sugere. Não há uma correlação imediata. Atividades
culturais também estão relacionadas a gostos e experiências. A gente gosta do
que conhece. Para frequentar, é preciso conhecer. Por isso, o grande desafio é
a formação de público.
Relatório e pesquisa
Panorama Setorial da Cultura Brasileira:
Márcia Ameriot é superintendente da Fundação Romi,
localizada em Santa Bárbara d´Oeste. A profissional, da área de
responsabilidade social empresarial e desenvolvimento local
sustentável,  é jornalista, historiadora e desenvolveu sua carreira
em organizações como o IDIS (Instituto para o Desenvolvimento do
Investimento Social) e Fundação Tide Setubal. Tem experiência
internacional  na área de violência doméstica e direitos da
mulher, tendo atuado por 12 anos na Itália, Chile e
México, onde foi uma das fundadoras da organização Mujer Integral, da qual foi representante
junto às Nações Unidas nos trabalhos de revisão da Conferência de Beijig, em
Nova Iorque. Márcia é formada em Princípios de
Gestão para Organizações do Terceiro Setor pela Fundação Getúlio Vargas.
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