COLUNA DO JORNALISTA VIEIRA JUNIOR

04 de setembro de 2014.
O valor das coisas
Vieira Junior
Sentado em meu escritório, alternando
entre redes sociais e matérias, um barulho me interrompe: era uma pipa caindo
bem na minha janela. Nada anormal se não fosse a segunda em três dias. E o fato
me trouxe algumas lembranças e reflexões.
Quando eu era criança, vivia pedindo
a Deus para que uma pipa caísse sobre o meu quintal. Eu morria de vontade que
isso acontecesse só para mostrar aos meus amigos que eu tinha sorte. Mas eu
cresci e isso nunca aconteceu. 
Eu adorava brincar com pipas. Certa
vez, até fui atropelado por um carro enquanto corria atrás de uma.
 Gostava de ver aquela mistura de papel com varetas de bambu desfiando
cores pelo céu. Claro, quem não gostava muito da ideia era minha mãe, já que eu
acabava com os sacos pretos de lixo que ela tinha em casa para fazer as
“rabiolas”. Além disso, eu estava sempre pedindo “um real” para comprar algumas
jardas de linha. (Sim, com R$ 1 se fazia muita coisa há 15 anos.  O
beija-flor era a espécie favorita da criançada).
O fato é que eu nunca fui muito bom com as pipas. Eu dava tudo de mim,
mas tudo que eu conseguia era ter meu brinquedo indo embora pelos céus e alguém
gritando: “relo” (Gíria utilizada quando a linha de uma pipa é cortada por
outra). Talvez por isso, eu desejava tanto que uma dessas pipas caísse sobre o
meu telhado
Eu perdi muitas pipas com o
relo.  Bem por isso eu não gostava dessa brincadeira, se é que se pode
chamar assim, afinal, muita gente já ficou gravemente ferida por conta dos
cortantes. Estima-se que 50 pessoas são feridas com o material todos os anos no
Brasil. Vale lembrar que ele é proibido em nove estados do país. Mas vai dizer
isso para criança… Eu mesmo, na tentativa de me manter entre os sabichões,
saía à procura de garrafas velhas para fazer a mistura e tentar cortar as linhas
de alguém. Como eu não era muito bom, nunca consegui.  O máximo que pude
foi enrolar a rabiola da minha pipa com a do meu melhor amigo e isso não foi
muito legal, já que os dois perderam o único brinquedo. 
Bom, voltando ao hoje, peguei a pipa
e sai em direção à rua para presentear algum menino. No corredor, me dei conta
de que o meu maior de alguns anos atrás estava sendo cumprido e, o que eu
fazia? O entregava para alguém de graça. “Claro, isso já é mais importante para
mim”, pensei. Aproximei-me do portão e lá estavam três garotos de
aproximadamente dez anos. Falei em voz alta:
– Pessoal, essa pipa caiu aqui em
casa. Será que…
– Dá pra mim tio?
– Não, dá pra mim!
– Pra mim!
Foi um atropelo só… Quando virei de
costas, um deles, o que havia ficado com a pipa, gritou:
– Valeu aí tiozinho!
Eu parei, engasguei com alguma
palavra que nem sei qual era e saí resmungando. É claro que não gostei do
“tiozinho”, mas vale a pena refletir.  Passei a minha infância toda
desejando intensamente que uma pipa caísse sobre o meu quintal, mas hoje isso
não é mais importante pra mim. Não é mais importante? Por quê? O que
aconteceu? Assim como todo ser humano, eu evoluí, é óbvio. Hoje, sou como todos
da minha idade. Quero um bom carro, casa, móveis, reconhecimento… Estamos
evoluindo! Será? Quem garante que não vamos passar a vida toda desejando essas
coisas e, um dia, elas não mais farão sentido?
A breve experiência da minha infância
com certeza é compartilhada por muitos. Hoje, sendo “tiozinhos” não nos
interessamos mais por pipas, elas perderam o sentido. E quem pode dizer que
isso não possa acontecer com as demais coisas que hoje perseguimos com tanta
ânsia? De repente, tudo isso pode “cair em no seu quintal”, mas tudo o que você
mais vai querer será um pouco de companhia, carinho, atenção, amor… Tudo que
sempre temos desde criança e deixamos de lado para correr atrás daquilo que
rapidamente se perde ao vento.
A vida é curta demais e voa como uma
pipa. Não vale a pena esperar alguém gritar “relo” para correr atrás. Pode ser
que o que queremos não caia sobre o nosso quintal, mas o que precisamos está
sempre dentro de casa, seja na vida ou no trabalho.
Vieira Junior, jornalista, pós-graduando
em Administração de Empresas pela Fundação Getúlio Vargas (IBE-FGV). 
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