CONTABILIDADE ON-LINE É UMA INOVAÇÃO DISRUPTIVA?

22 de janeiro de 2016.
ARTIGO DE ROBERTO DIAS DUARTE

A prestação de
serviços contábeis utilizando exclusivamente canais eletrônicos é, atualmente,
um dos temas mais polêmicos no meio contábil. Funciona? É legal? Fere a ética
profissional? É mais eficiente? Em meio a tantas perguntas, investiguei o
assunto a partir de outra perspectiva. Seria mesmo uma inovação disruptiva ou
apenas uma melhoria de processos no relacionamento com os clientes?
Obviamente,  não pretendo analisar a legalidade deste tipo
de serviço ou mesmo a qualidade de empresas específicas. Meu objetivo é
entender as consequências deste movimento para o mercado.
Em dezembro de 2015
os professores da Harvard Business School Clayton M. Christensen e Rory
McDonald, juntamente com o diretor da Deloitte Consulting, Michael E. Raynor,
publicaram na Harvard Business Review o artigo “What Is Disruptive
Innovation?”.
Segundo os
articulistas, a teoria da inovação disruptiva surgiu em 1995, mas a sua
disseminação em larga escala levou a uma deturpação dos conceitos fundamentais
e à utilização do termo de forma equivocada. “Disrupção” consiste, de acordo
com os autores da teoria, no processo pelo qual uma empresa menor,  dotada de menos recursos, é capaz de desafiar
com sucesso as companhias tradicionalmente estabelecidas.
As  organizações 
convencionais tendem a se concentrar na melhoraria  dos seus produtos e serviços para atender os
clientes mais exigentes (e geralmente mais rentáveis).  Neste processo, as necessidades de alguns
segmentos de mercado são amplamente atendidas, enquanto se ignoram as de outros
segmentos  , geralmente os menos
rentáveis.
Inovações disruptivas
são possíveis porque as empresas tradicionais 
menosprezam dois tipos de mercado: o de baixo valor (low-end) e os novos
clientes. Isso abre a porta para o surgimento de ofertas “disruptivas” focadas
em fornecer à primeira  modalidade de
consumidor um produto “bom o suficiente” e a preço muito abaixo do  praticado pela maioria do mercado.
Adicionalmente, a
oferta inovadora deve criar  nichos até
então inexistentes. Um exemplo clássico disto foi a introdução de
fotocopiadoras domésticas, enquanto a Xerox mantinha seu foco somente nas
grandes corporações. Até a década de 1980 pequenas empresas e usuários
domésticos contentavam-se com o papel carbono e o mimeógrafo. Ou seja, um novo
mercado foi criado a partir de uma solução mais acessível.
A receita para a
disrupção é clara: identifique quais tarefas os clientes precisam fazer;
segmente clientes por tarefas (não por produtos, tamanho, ou mesmo características
demográficas); desenvolva soluções básicas, de baixo custo, que permitam
realizar essas atividades. Inovações disruptivas criam, necessariamente, novos
mercados e reestruturam os que já existem.
Os autores ainda
analisam o caso do Uber. Seria o também polêmico aplicativo uma inovação
disruptiva? A resposta é um sonoro “não”! A explicação é simples. Ele não cria
uma oferta com preço muito inferior, tampouco um novo mercado.
O Uber, conforme a
teoria, é apenas uma “inovação de sustentação”. Ou seja, aprimora a qualidade
dos serviços já prestados a um determinado mercado e reduz um pouco seu custo.
Tal qual a introdução de novas lâminas no barbeador ou uma tela melhor na sua
tevê. Neste caso, não há uma oferta de valor baixo o suficiente para criar um
novo mercado, por exemplo, captando usuários de ônibus ou metrô.
Os autores ainda
observam quatro pontos importantes, mas 
quase sempre esquecidos ou, no mínimo, mal interpretados:
1.     O termo “inovação disruptiva” não deve ser
usado para se referir a um produto ou serviço em um “ponto fixo”, mas sim uma
evolução ao longo do tempo.
2.     Disruptores constroem modelos de negócios
muito diferentes das empresas tradicionais.
3.     Algumas inovações disruptivas funcionam,
outras não.
4.     Empresas tradicionais não precisam
responder à disrupção de forma exagerada, desmantelando  um negócio rentável, por exemplo. Em vez
disso, as tradicionais devem continuar a fortalecer as relações com seus
principais clientes investindo em inovações sustentáveis. Ou seja, melhorando
processos e, consequentemente, o relacionamento com eles .
A  inovação disruptiva ocorre quando um produto
ou serviço cria um novo mercado e desestabiliza os concorrentes que antes o
dominavam. Enfim, trata-se de uma oferta mais simples e barata,   capaz de atender um público antes  sem acesso a este mercado.
Analisando a
“contabilidade on-line” sob esta ótica, ela não pode ser classificada como
disruptiva, pois só o seria se criasse oferta para um novo mercado. Tal como o
Uber, a prestação de serviços contábeis, por meio de canais eletrônicos, é uma
inovação de sustentação, ou seja, busca melhorar, ao menos em tese, os
processos de prestação dos serviços.
E, não
necessariamente, cria serviços muito mais baratos que os já estabelecidos. Há
poucas empresas prestadoras de serviços contábeis “on-line” com ofertas
agressivas de preço. A maioria absoluta 
das que atuam por meio de canais eletrônicos pratica preços compatíveis
com os concorrentes tradicionais. Ademais, a concorrência por preço, no setor
de serviços contábeis, não é uma prática introduzida pelos serviços on-line.
Ela sempre existiu.
Mais ainda, não
identifiquei escritório contábil on-line que tenha a proposta de atuar com
novos mercados, isto é, quem ainda não utiliza serviços contábeis, caso da
maioria dos microempreendedores individuais, para citar um exemplo.
Dado este contexto,
há duas conclusões relevantes para o mercado que podemos destacar. Primeira, a
ampliação da prestação de serviços contábeis por meio de canais eletrônicos é
uma estratégia de melhoria de processos com o objetivo de reduzir custos e
agilizar o atendimento ao cliente. Trata-se de uma inovação nos canais de
atendimento para sustentar um modelo de negócios tradicional. Um caminho
parecido com o qual as instituições financeiras trilharam na década de 1990.
Segunda, a resposta
exagerada a este movimento é um erro enorme, ainda que a contabilidade on-line
fosse mesmo uma inovação disruptiva. Como os professores de Harvard esclarecem:
as tradicionais devem continuar a fortalecer as relações com seus principais
clientes, melhorando seus processos.
Neste sentido, os
escritórios contábeis com modelos de negócios consolidados   e atuação já segmentada têm grandes chances
de ser os mais beneficiados por este movimento, pois podem (e devem) usar  meios eletrônicos como forma de melhoria dos
processos e relacionamento com clientes, sem negligenciar os canais
presenciais.
Afinal, pessoas
confiam em pessoas. E é muito mais fácil e barato agregar eficiência a
processos  em que já exista uma relação
de confiança  ao invés de tentar
desenvolver  esse clima no meio virtual.
Roberto Dias Duarte é
sócio e presidente do Conselho de Administração da NTW Franquia Contábil,
primeira deste setor no país.
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