PLANEJAMENTO TRIBUTÁRIO E AS INCONGRUÊNCIAS DA MP 685/15

14 de outubro de 2015.
ARTIGO DE NELSON ALVES E DANTE STOPIGLIA

Ao final de novembro de 2013, na cidade de São Petersburgo, os países
membros do G20 anuíram ao Plano de Ação para o Combate à Erosão da Base
Tributária e à Transferência de Lucros (BEPS), desenhado e construído pelos
Ministros da Fazenda dos países que compõem a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento
Econômico (OCDE).
Sob o argumento de que muitas empresas utilizam-se de planejamentos
tributários considerados agressivos, para transferir lucros de uma jurisdição
para outra ou para reduzir artificialmente sua base tributável, a OCDE elaborou
um plano com diversas ações que, dentre elas destaca-se a de número 12, cujo
principal objetivo é ‘desenvolver
recomendações relativas à elaboração de normas de declaração obrigatória de
transações, esquemas, ou estruturas de caráter agressivo ou abusivo
’.
Em respeito ao prazo estabelecido pela OCDE (até setembro de 2015), o
Governo Brasileiro editou em Medida Provisória nº 685, em 21 de julho de 2015,
criando, por meio do artigo 7º e seguintes, a obrigatoriedade da entrega da
DIOR – Declaração de Informações de Operações Relevantes, no intuito de
implantar no Brasil a recomendação de número 12 do BEPS.
Por meio desta nova obrigação acessória, os contribuintes deverão
informar “atos ou negócios jurídicos que
acarretem supressão, redução ou diferimento do tributo
” (i) quando estes
não possuírem razões extratributárias relevantes, (ii) quando a forma adotada
não for usual, ou tratar-se de negócio jurídico indireto, ou ainda contiver
cláusula que desnature os efeitos de um contrato típico e, por fim, (iii)
quando tratar-se de atos ou negócios jurídicos previstos em ato da Receita
Federal do Brasil (uma espécie de blacklist).
Ao justificar a implantação desta nova obrigação acessória no Brasil, a
Presidência da República afirmou, por intermédio da exposição de motivo da MP
nº 685/15, que a medida proposta “visa
aumentar a segurança jurídica no ambiente de negócios do país e gerar economia
de recursos públicos em litígios desnecessários e demorados
”.
Além do caráter mandatório desta nova declaração, consta do artigo 12 da
aludida medida provisória, penalidade de 150%, a título de multa de ofício,
para os casos de não entrega da DIOR ou de omissão de dados tidos como
essenciais pelo Fisco Federal, dentre outras hipóteses. 
Imediatamente após sua publicação no Diário Oficial, estudiosos e os
aplicadores da Ciência Jurídica se debruçaram no conteúdo normativo da MP
685/15 com o fito de analisar sua compatibilidade com o restante do ordenamento
jurídico brasileiro, quando começaram a ser apontadas importantes incongruências
entre o pretendido (segurança jurídica, redução de litígios) e o que se
vislumbra para um momento próximo.
Como obter maior segurança jurídica e redução dos litígios se o
instrumento utilizado para a implantação da DIOR traz em seu regramento
incompatibilidades insanáveis, sob a perspectiva de legalidade ou de
constitucionalidade? Vejamos.
Primeiro, ao prever a aplicação automática de multa de 150% para os
casos de o Fisco Federal concluir que, quando da análise do preenchimento da
nova obrigação acessória, incorreu o contribuinte em omissão de dados
essenciais para a compreensão do ato ou negócio jurídico, a Medida Provisória
contraria posicionamento pacífico da doutrina e da jurisprudência no sentido de
que o agravamento de multa depende de prova inequívoca da presença de dolo.
Reiterados casos de presunção legal da ocorrência do Dolo foram levados
à apresentação do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (CARF) que editou
a Súmula CARF nº 25, segundo a qual é imperioso para a aplicação de multa de
ofício que se comprove, de forma cabal, as hipóteses descritas nos arts. 71 a
73 da Lei nº 4.502/64 que versam sobre sonegação, fraude e conluio.
De outro lado, ao estabelecer a necessária e compulsória prestação de
informações à Receita Federal, a MP 685 vai de encontro aos princípios da ordem
econômica e financeira, interferindo indevidamente na esfera de direitos dos
contribuintes garantidos pela Carta Magna, como a livre condução de seus
negócios, livre concorrência, livre iniciativa e da propriedade privada.
Estes foram os argumentos aceitos pela 4ª Vara Federal Cível de São
Paulo para conceder liminar em Mandado de Segurança (MS
0016111-48.2015.403.6100) para suspender referida obrigação. A Juíza Raquel
Fernandez Perrini, responsável por esta decisão, apontou ainda a existência de
vício formal já que a MP 685 não cumpriria os requisitos de urgência e
relevância.
Em adição aos pontos antes mencionados, que por si só já gerarão
diversos questionamentos em juízo, outra disposição da MP que deverá conturbar
a vida dos contribuintes é a delegação à Receita Federal para listar atos ou
negócios jurídicos considerados como planejamentos tributários agressivos.
Deixar ao sabor da conveniência do órgão responsável pela fiscalização a
tarefa de elaborar de uma blacklist
dos planejamentos tributários é, no mínimo, temerário e em nada contribuir para
segurança jurídica, quando é sabido a atual necessidade e foco arrecadatório.
Em que pese caminharmos para uma continua busca de maior transparência de
modo geral, inclusive nos negócios praticados pelos empresários, é de extrema
importância não ultrapassarmos a barreira da legalidade e da
constitucionalidade.
Reconhecemos a importância de adotarmos em nossos sistemas medidas que
fomentem a boa governança e a transparência, sobretudo no mundo fiscal,
entretanto, tais medidas devem respeitar os limites e as garantias
constitucionais.
Não pode o Governo Federal, na esteira do que fora adotado em outras
jurisdições, deixar de observá-los ao pretexto de alinhamento com o praticado
em outros países.
Infelizmente, da leitura que fazemos, ao invés de se obter segurança
jurídica ou redução dos custos com litígios, veremos o contrário. Com a
palavra, nossos tribunais superiores.
Nelson Alves e Dante Stopiglia são sócios da PwC
Brasil
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