ICMS: INCOMPETÊNCIA OU MÁ-FÉ?

19 de fevereiro de 2016.
ARTIGO DE ROBERTO DIAS DUARTE

O comércio eletrônico
é um fenômeno mundial que promove uma verdadeira ruptura nos padrões
estabelecidos de venda de mercadorias e serviços. A competição acirrada leva as
empresas a adotar este expediente não somente para   melhorar processos e reduzir custos, mas
também  obter avanços fundamentais no
atendimento ao cliente.
Obviamente, alguns
desses efeitos são menos percebidos no Brasil, devido à enorme barreira
burocrática e tributária que desestimula a competição global. Ainda assim, as
transações virtuais já fazem parte da vida de mais de 60 milhões de
brasileiros.
Contudo, recentemente
esse tipo de atividade recebeu um duro golpe, que talvez coloque em risco as
empresas já estabelecidas do setor. Mais ainda, a própria criação de negócios
inovadores, que poderiam efetivamente gerar riqueza e empregos. O que houve de
tão grave?
Nos últimos anos, os
estados menos desenvolvidos economicamente passaram a utilizar o ICMS como
instrumento de política desenvolvimentista. O tributo estadual tornou-se uma
forma de atração de investimentos privados.
Governadores
convenciam a iniciativa privada a investir criando desonerações relacionadas ao
ICMS, como reduções de base de cálculo e alíquota, créditos presumidos,
diferimento etc. Tudo em nome do desenvolvimento econômico e social.
A reação dos estados
que se sentiram prejudicados foi intensa. Ações Diretas de
Inconstitucionalidade (ADIn) foram ingressadas no Supremo Tribunal Federal
(STF) questionando as legislações estaduais que criavam benefícios fiscais. A
justificativa era a falta da autorização do Conselho Nacional de Política
Fazendária (Confaz).
É responsabilidade
deste órgão federal promover a celebração de convênios, para efeito de
concessão ou revogação de isenções, incentivos e benefícios fiscais do imposto.
Este Conselho é constituído por representantes de cada estado, Distrito Federal
e Governo Federal.
Assim, o STF declarou
a inconstitucionalidade da concessão unilateral de benefícios fiscais relativos
ao ICMS sem a prévia celebração de convênio intergovernamental, por afrontar a
Lei Complementar 24/1975 e o artigo 155, parágrafo 2º, inciso XII, letra ‘g’,
da Constituição Federal.
Iniciou-se, portanto,
uma nova fase na “guerra fiscal”, dada à reação dos estados ditos
“consumidores”, ou seja, aqueles que buscam atrair investimentos. Este
movimento levou à aprovação da Emenda Constitucional nº 87/2015 (EC 87/2015),
que criou uma nova regra sobre a incidência do ICMS nas operações realizadas
entre estados. Porém, uma “pequena” alteração neste tributo acabaria
por alterar profundamente sua essência.
O ICMS tinha como
regra geral o fato de ser devido no estado de origem da mercadoria. O
Diferencial de Alíquota (DIFAL) era apenas uma exceção, em uma situação
específica.
O e-commerce no
Brasil era insignificante no ano 2000. Em 2015, esta atividade foi responsável
por um faturamento superior  a R$ 43
bilhões. Com isso, consumidores dos estados menos desenvolvidos passaram a
comprar, cada vez mais, mercadorias de empresas sediadas em outras unidades
federadas, em especial São Paulo e Rio de Janeiro. Assim, a arrecadação do ICMS
concentrava-se ainda mais naquela região.
A EC 87/2015 criou um
cronograma modificando a repartição do ICMS nas compras virtuais. Em 2016, o
estado de destino da mercadoria ficará com 40% do diferencial de alíquotas; e o
estado de origem, com 60%. Em 2017, 60% para o estado comprador e 40% para o
vendedor. O estado consumidor ficará com 80% em 2018, e a partir de 2019, o
diferencial será integralmente cobrado pelo estado de destino.
O que é grave de fato
é a burocracia criada pelo Convênio ICMS 93/2015, que regulamenta a aplicação
da EC 87/2015, aprovado pelo Confaz, ou seja, com aceitação de todos os estados
e o Governo Federal.
O Convênio obriga as
empresas que vendem mercadorias entre estados a recolher o ICMS na origem e no
destino. Uma opção de recolhimento do tributo é a realização de Inscrição
Estadual (IE) no estado de destino; outra é recolher por nota fiscal emitida
utilizando uma Guia Nacional de Recolhimento de Tributos Estaduais (GNRE).
Nesse caso, a GNRE deverá acompanhar a mercadoria durante o transporte.
Estes procedimentos
aumentam a insegurança jurídica das empresas e encarecem os produtos por causa
dos custos de conformidade e da burocracia, inclusive para as empresas do
Simples Nacional.
Dificilmente teremos
uma nova mudança constitucional. Contudo, estados e Governo Federal foram
atores da maior imbecilidade coletiva da história de nosso país.
O resultado dessa
sandice burocrática já é percebido. Empresas pequenas de comércio eletrônico
estão fechando – de fato ou de forma. Ou seja, encerram as operações ou
trabalham na informalidade, sem emissão de nota, e obviamente, sem recolher os
impostos. Mais ainda, as médias e grandes estão “selecionando” os estados
que poderão comprar seus produtos. Ora, se o mercado consumidor é concentrado,
por que gastar muito para vender pouco? Ou seja, o resultado prático é que
estão matando a galinha dos ovos de ouro. Irão dividir zero por 27 (ou 28,
incluindo-se aí o Governo Federal).
Com um mínimo de
inteligência e boa vontade, os entes federados poderiam utilizar o banco de
dados das notas fiscais eletrônicas (NF-e) e promover essa repartição sem que
empresas e consumidores tivessem trabalho (e custo) algum.
Em nota divulgada à
imprensa no dia 28 de fevereiro, o Confaz afirmou que “a mudança é uma medida
de redução de desigualdades e de desequilíbrio tributário entre os estados,
aguardada há mais de uma década pela maioria das unidades da federação”.
Ora, no estado
civilizatório atual já passamos da fase de compreensão que os fins não
justificam os meios. Mais ainda, após quase uma década de implantação da Nota
Fiscal Eletrônica, não há justificativa técnica para tamanho retrocesso! A
operacionalização da EC 87/2015 poderia ter sido inteligente o suficiente para
gerar impacto zero ao comércio.
Estados “pobres” e
“ricos”, governos estaduais de partidos de situação e de oposição, o ministro
da Fazenda, Nelson Barbosa, bem como Jorge Rachid, secretário da Fazenda e o
secretario do Tesouro Nacional,  dentre
outros representantes do governo,  são os
responsáveis diretos por essa decisão.
Seria então o
Convênio ICMS 93/2015 uma prova cabal da unanimidade da incompetência da
burocracia estatal brasileira? Ou apenas mais uma prova de que o setor público
tem apenas um objetivo: aumentar o nosso grotesco manicômio burocrático para
preservar seus próprios interesses? Ou seja, de pública, a administração só
teria mesmo a origem dos recursos?
Enfim, antes mesmo de
discutir a legalidade, é preciso entender se o que houve foi incompetência ou
má-fé.
Roberto Dias Duarte é
sócio e presidente do Conselho de Administração da NTW Franquia Contábil,
primeira deste setor no país.
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