COMO O TPP MUDARÁ A AMÉRICA LATINA

10 de janeiro de 2016.
ARTIGO DO CEO DA SPEYSIDE IAN HERBISON 

Enquanto os
países-membros se preparam para os iminentes embates políticos no front
doméstico (principalmente no Congresso norte-americano), em 2015 doze países do
Pacífico finalmente chegaram a um consenso sobre um acordo de livre-comércio
colossal: a Parceria Transpacífico (sigla em inglês TPP), que deverá entrar em
vigor até 2018.
Embora tenha sido
criado a partir da Cooperação Econômica Ásia-Pacífico (sigla em inglês APEC),
da qual os doze países são membros, o TPP é um tratado separado que prevê a
formação do mais abrangente acordo de livre-comércio assinado até hoje. O
sucesso dessa iniciativa e a amplitude das obrigações de livre-comércio que ela
propõe são ainda mais surpreendentes em vista do Pacote de Bali (que resultou
da Rodada de Doha da Organização Mundial de Comércio em 2013). Após 14 anos de
negociações promovidas pela OMC para uma abertura modesta do comércio global, o
Pacote parece ter fracassado devido a objeções da Índia em relação à
liberalização do comércio agrícola.
Embora a OMC seja um
acordo comercial internacional, o TPP ultrapassa a OMC ao englobar mais de um
quarto do comércio global de doze países que representam quase 40% do PIB
global.
Os argumentos contra
e a favor do TPP já são bem conhecidos: por meio desse acordo, as receitas de
exportação dos doze países-membros deverão aumentar em US$ 305 bilhões ao ano
até 2025 e a renda dos seus trabalhadores deverá crescer também. Dentre os
benefícios garantidos pelo TPP estão: reduções nas tarifas de exportação para
os fabricantes de carros; até oito anos de proteção de dados para novos
medicamentos biotecnológicos; e uma redução nas restrições às vendas no mercado
internacional para empresas de tecnologia. Além disso, o acordo também prevê
provisões adicionais de proteção ambiental.
Por outro lado, os
críticos do acordo alegam que o TPP tem o potencial de promover produtos mais
baratos de países de baixa-renda, o que poderia afetar os empregos no setor
manufatureiro em países como os EUA, além de não prever nenhuma iniciativa de
combate à desigualdade de renda nos países-membros. Segundo o vencedor do
Prêmio Nobel, Joseph Stiglitz, o TPP “causará ainda mais desigualdade”.
Antes da publicação
do texto do TPP (houve muitas críticas ao fato de que, diferentemente do que
ocorre nessas situações, todos os esboços do acordo foram mantidos em segredo),
havia receio de que o capítulo sobre propriedade intelectual (PI) pudesse gerar
abusos por parte de empresas multinacionais (especialmente empresas
farmacêuticas e de TI norte-americanas). Isto porque o acordo permite que
empresas estrangeiras processem governos por mudanças de leis ou de políticas
que possam causar danos significativos aos seus negócios. No entanto, o
capítulo sobre PI determina que as empresas farmacêuticas só poderão manter
seus dados exclusivos por um período de oito anos ao invés dos doze anos
permitidos atualmente pela lei dos EUA.
México, Chile e Peru
(três dos quatro membros do acordo comercial regional Aliança do Pacífico)
serão afetados de maneiras diferentes pelo TPP. A Sofofa, uma federação
corporativa que representa indústrias no Chile, já declarou que o TPP trará
benefícios ao Chile, enquanto que a Presidente Bachelet solicitou ao Congresso
que apoie o acordo. Tanto o Chile quanto o Peru, que são economias baseadas em
commodities, terão uma redução de 98% nos impostos sobre suas exportações de
laticínios, açúcar, vinho, arroz e frutos do mar, além de reduções em impostos
e tarifas sobre outros alimentos. Além disso, o Peru se beneficiará da
participação da Austrália no TPP, devido a sinergias em potencial entre os seus
respectivos setores de mineração. O impacto do acordo sobre o Chile será menor,
já que os dois países já mantém um acordo de livre-comércio.
Em termos comerciais,
o TPP será o primeiro acordo comercial de peso da era das inovações. O texto
contém cláusulas claras que garantem a proteção ao comércio digital e ao fluxo
de dados e permitem que empresas comerciais armazenem dados em outros países ao
invés dos seus países de origem. Durante as negociações do TPP, o México e em
menor proporção, o Chile, fizeram pressão para a criação de cláusulas
referentes ao fluxo de dados (a vontade dos dois países prevaleceu, em
detrimento dos países da Ásia-Pacífico, como a Austrália e Cingapura, que não
estavam muito entusiasmados com a ideia). Este episódio demonstra que o TPP já
criou um canal para que as economias latino- americanas demonstrem sua
liderança nesse novo comércio e regulação de informações digitais.
Apesar de ter
expressado formalmente o seu interesse em aderir ao TPP e de estar numa posição
forte para tal, a Colômbia é o único membro da Aliança do Pacífico que não fará
parte do acordo. É possível que a exclusão da Colômbia deva-se ao fato de o
país ser o único dentre os membros da Aliança do Pacífico a não fazer parte da
APEC. A Colômbia pleiteou a sua entrada na APEC em 1995 e ainda aguarda uma
resposta. Além disso, o país mantém acordos de livre-comércio com cinco dos
onze membros atuais do TPP. Recentemente, a Colômbia assinou um acordo de
livre-comércio com a Coreia do Sul e atualmente está negociando um acordo de
livre-comércio com o Japão. De um modo geral, as exportações do país não serão
afetadas pelo comércio dentro do bloco.
A ausência gritante
da China do TPP terá implicações importantes no comércio regional entre os
países da Ásia-Pacífico e da América Latina. A exclusão da China deixou o
governo do país desgostoso, levando-o a considerar o acordo como um esforço de
contenção geopolítica ao invés de um tratado de livre-comércio.
Uma análise mais
detalhada dos membros do TPP e da ausência da China revela uma linha divisória
clara, com os EUA e o Japão de um lado e a China do outro. Talvez não seja
coincidência o fato de os EUA e o Japão terem se recusado a aderir do Banco
Asiático de Investimento em Infraestrutura (AIIB) proposto pela China. Esta
proposta foi, em parte, uma resposta da China ao “pivô asiático” (que apesar de
tão alardeado pelos EUA acabou não se concretizando), com a intenção declarada
de facilitar as conexões regionais e o desenvolvimento da infraestrutura no
Sudeste Asiático.
O TPP não é o único
acordo da Ásia-Pacífico vigente. Durante vários anos e sob a liderança dos dez
países-membros da Associação das Nações do Sudeste Asiático (ANSEA), houve
várias iniciativas para lançar uma Parceria Econômica Comum Regional (RCEP)
entre os dez países do ANSEA e da Austrália, China, Índia, Japão, Coreia do Sul
e Nova Zelândia. A área do RCEP teria um PIB combinado estimado em US$17
trilhões e representaria 30% do comércio global. No entanto, o RCEP é um tipo
bem diferente de acordo comercial, sem as provisões ou a abrangência do TPP.
Apesar de suas ambições modestas, a ANSEA e seus membros adiaram mais uma vez a
implantação do RCEP até o final de 2016. O acordo estava programado para entrar
em vigor em 31 de dezembro de 2015.
Dentre os membros da
ANSEA, a Indonésia foi o país que mais relutou ante a ideia de abrir seu
mercado, que atualmente é fortemente protegido. Outros membros da ANSEA, como o
Vietnã, a Malásia, Cingapura e o pequeno Brunei, também fazem parte do TPP e
acreditam que suas economias serão fortemente impulsionadas pelo investimento
Estrangeiro Direto (IED), enquanto que a hesitante Indonésia terá que arcar com
os custos do IED perdido.
O conceito do “custo
do IED perdido” tem sido assunto de debate entre banqueiros e economistas no
Brasil. Deixando de lado os limites geográficos (o Brasil não é um país da
região do Pacífico e nem um membro da APEC, cujos membros criaram o TPP), será
fascinante observar a posição do Brasil na América Latina, onde o TPP será uma
potente força econômica.
Por um lado, a Aliança
do Pacífico usou o acordo comercial como uma forma de se consolidar enquanto
alternativa ao grande mercado doméstico brasileiro. Já o Brasil, com sua
política pública incompreensível que não incentiva o livre-comércio e nem a
assinatura de acordos para promovê-lo, continua sendo um mercado bastante
protecionista. Em meio a uma crise econômica, grandes escândalos de corrupção
política, uma desvalorização de 35% na moeda local em relação ao dólar
norte-americano, um índice baixo de aprovação presidencial e uma inflação de
dez por cento, o governo brasileiro tem dado prioridade às questões domésticas
e consequentemente, não pôde dedicar a devida atenção aos acordos comerciais.
Embora a desvalorização da moeda local tenha favorecido as exportações, o
Brasil agora corre o risco de perder espaço para o Chile e o Peru, já que no
ano passado 24% das exportações brasileiras destinaram-se a países do TPP. O
TPP também dará ao Chile, México e Peru acesso a mercados norte-americanos com
os quais o Brasil, a Argentina e a Venezuela podem apenas sonhar,
independentemente de quem estiver no poder.
Em vista do impasse
político e do risco de a recessão no Brasil se tornar uma depressão, teme-se
que no futuro o TPP cause um redirecionamento de IED do Brasil para os
países-membros do acordo, principalmente nos setores de alto-valor agregado.
Este cenário deixa o
Brasil, a Argentina e a Venezuela com o Mercosul – os três países, junto com o
Uruguai, a Bolívia e o Paraguai, formam os seis membros desse bloco equivalente
à CEE (a precursora da União Europeia) na América Latina. Os lobistas do
livre-comércio enxergam o Mercosul como algo embaraçoso, como um filho rebelde.
Até as recentes mudanças políticas na Argentina e na Venezuela, parecia
improvável que o Mercosul tivesse alguma chance de se concretizar. No entanto,
o Mercosul talvez tenha o potencial de um dia se tornar uma ponte para o TPP.
Porém, isto só poderá acontecer se o governo brasileiro mudar drasticamente a
sua política de protecionismo ao mercado doméstico e adotar um compromisso real
de integração ao livre-comércio internacional.
Embora a conclusão
das negociações do TPP tenha sido um grande feito, o processo ainda não está
inteiramente concluído. No entanto, antes de apresentar o acordo para os seus
próprios congressos, a maioria dos países-membros está aguardando para ver como
o Congresso norte-americano reagirá, entre outras coisas, à cláusula de
proteção aos dados de ensaios clínicos conduzidos por empresas farmacêuticas.
Em vista da iminente
eleição presidencial nos EUA, da necessidade do Partido Democrático de
apaziguar a sua base sindicalista e da força dos lobistas da Associação de
Pesquisadores e Fabricantes Farmacêuticos dos EUA (PhRMA), os países-membros
talvez tenham que esperar um pouco até o Congresso norte-americano decidir se
permitirá ou não que o presidente valide o acordo.
Nesse ínterim, as
empresas capazes de enxergar os sinais estão considerando a melhor forma de
tirar partido do TPP na elaboração de planos de investimento para os seus
portfólios nos países em desenvolvimento.
Algumas empresas
farmacêuticas já estão se preparando para um iminente processo de coordenação
regulatória entre os países latino-americanos do TPP. Nesse momento em que os
investidores globais estão bem mais seletivos em relação aos seus investimentos
em países em desenvolvimento, seria muito interessante observar o aparecimento
de sinais precoces de um redirecionamento de IED dos países que ficaram de fora
do TPP para os “três países da LATAM” que fazem parte do TPP.
Ian Herbison – CEO da
Speyside
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