NORMAS COLETIVAS – UM “TERNO SOB MEDIDA”

ARTIGO DO ADVOGADO FLÁVIO HENRIQUE BERTON FEDERICI 

Muito se fala, desde a promulgação da Constituição Federal de 1988, sobre o tema “prevalência do negociado sobre o legislado”. O assunto ganhou força após a entrada em vigor da Lei 13.467/2017 (a chamada “Reforma Trabalhista”) e mais recentemente, após o julgamento pelo Supremo Tribunal Federal, de recurso extraordinário com repercussão geral reconhecida (Tema 1.046).

Mas, juridicamente, como se concretiza uma negociação coletiva que prevaleça sobre previsões legais, mormente considerando a natureza a indisponibilidade de grande parte dos direitos trabalhistas?

A Constituição Federal de 1988 prevê, dentre os direitos sociais elencados no artigo 7º, o “reconhecimento das convenções e acordos coletivos de trabalho”, os quais, portanto, tem força de lei. São normas negociadas diretamente entre os sindicatos representativos de trabalhadores e de empresas de determinado seguimento econômico e base territorial (convenções coletivas, com aplicabilidade para toda a categoria), ou, negociadas entre o sindicato dos trabalhadores e uma empresa em específico (acordos coletivos, com aplicação exclusivamente no âmbito da empresa acordante).

Contudo, mesmo com a previsão constitucional, sempre houve controvérsia sobre a validade de cláusulas previstas em tais instrumentos, principalmente quando se interpretava alguma suposta restrição ou redução de direitos, as quais eram anuladas através de medidas judiciais.

Visando encerrar essa celeuma, a “Reforma Trabalhista” trouxe, nos artigos 611-A e 611-B, previsão expressa de matérias que podem ser negociadas através das normas coletivas de trabalho, tendo, portanto, “prevalência sobre a lei” e, também, aquelas que seriam “objeto ilícito de convenção ou acordo coletivo”, ou seja, direitos que não podem ser transacionados por negociação da categoria, a maioria deles, ligados à saúde, higiene e segurança no trabalho (normas de segurança, licenças, férias, dentre outros), assim como as que envolvem interesse público (registro profissional ou FGTS, por exemplo) ou ainda direitos previstos constitucionalmente.

Contudo, não foi o suficiente para pacificar o tema. Mais uma vez o assunto chegou ao Supremo Tribunal Federal que, recentemente, ao julgar Recurso Extraordinário envolvendo processo do segmento da mineração, decidiu que acordos ou convenções coletivas de trabalho que limitam ou suprimem direitos trabalhistas são válidas, desde que seja assegurado um patamar civilizatório mínimo ao trabalhador.

Trata-se de importante decisão envolvendo os avanços trazidos pela Reforma Trabalhista, pois permite que se tenha a segurança jurídica necessária para encorajar trabalhadores e empresas a negociarem direitos específicos para suas respectivas categorias ou ambientes empresariais.

Ora, não se pode ter uma mesma legislação, com obrigações e direitos trabalhistas para aplicação em empresas de diferentes segmentos. Por exemplo, não se pode dar um mesmo tratamento legal a uma boutique de shopping center localizada no âmbito urbano e uma indústria fabril localizada em zona industrial. Vamos além. Num país continental como o Brasil, não se pode dar o mesmo tratamento legal a empresas de diferentes regiões, cada qual com suas características culturais, econômicas, estruturais e até climáticas, seguindo a máxima de que se deve tratar igualmente os iguais e desigualmente os desiguais. Cabe às normas coletivas de trabalho negociadas no âmbito de cada categoria, tal adaptação legislativa.

Muitas vezes, essa adaptação é interpretada como uma supressão ou redução de direitos, mas na verdade é apenas um ajuste à realidade de trabalho de determinada categoria profissional ou região. Ademais, pelo “Princípio do Conglobamento”, uma norma coletiva de trabalho deve ser analisada como um todo, e não mediante avaliação isolada de cada uma das suas cláusulas, considerando que numa negociação existem concessões recíprocas das partes, com compensações entre uma disposição e outra que trazem o equilíbrio necessário.

Por certo que é necessária “maturidade” das partes, para que as negociações sejam eficazes e frutíferas, sem abusos. Mas para que esse amadurecimento seja alcançado, é preciso que o Poder Judiciário realmente prestigie as negociações coletivas, com espírito aberto e interferência mínima, possibilitando que trabalhadores e empresários “sentem à mesa” num ambiente seguro.

A decisão proferida pelo Corte Suprema Brasileira é um passo fundamental na matéria, uma vez que o reconhecimento de repercussão geral para o Tema 1046, em tese, enseja observância pelos demais níveis jurisdicionais. E assim sendo, cada categoria poderá ter seu “terno sob medida” em termos de norma coletiva e direitos trabalhistas específicos para cada realidade econômica e regional, com validade e segurança jurídica.

 

Flávio Henrique Berton Federici é sócio gestor do time Trabalhista da TMB Advogados, Graduado e Pós-graduado pela PUC-Campinas.

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